Nessa quarta feira (24/04/2019), o STF concedeu liminar ao Conselho Federal de Psicologia e manteve íntegra e eficaz a Resolução CFP nº 01/99, que determina que não cabe a profissionais da Psicologia no Brasil o oferecimento de qualquer tipo de prática de reversão sexual, uma vez que a homossexualidade não é patologia, doença ou desvio.
A Resolução CFP nº 01/99 foi alvo da Ação Popular, movida por um grupo de defensoras(es) do uso de terapias de reversão sexual. Em setembro de 2018, o CFP ingressou no STF com reclamação constitucional solicitando a suspensão dos efeitos da sentença e a extinção da Ação Popular para manter integralmente a Resolução do CFP.
Essa discussão é antiga. O “homossexualismo” passou a existir no manual Classificação Internacional de Doenças a partir da 6a Revisão (1948) e somente em 1990 o “homossexualismo” foi abolido na sua condição de doença mental. O Conselho de Psicologia do Brasil, inclusive, já se posicionava contra a visão da homossexualidade como doença mental cinco anos antes da OMS. Hoje, se utiliza o termo homossexualidade em detrimento de “homossexualismo” justamente para situar o lugar dessa orientação sexual de forma diferente de como outrora foi considerada.
Porém, mesmo com esses órgãos que representam uma comunidade acadêmica reconhecendo o lugar de existir da homossexualidade, há certos profissionais que se recusam a seguir esse caminho. Certamente, estes profissionais estão munidos de suas convicções morais e religiosas, afinal, não há respaldo científico para justificar a proposição de uma terapia de (re)orientação sexual (a famosa “Cura Gay”).
E é sobre esse ponto que eu gostaria de tratar nesse texto. Muito se fala de que não existe “Cura Gay” porque homossexualidade não é doença mental, mas há um outro fator importante a ser considerado aqui.
Não existe “Cura Gay” porque só existe um método para a terapia de reversão sexual. Uma “Cura Gay” só é possível de ser proposta em um contexto no qual o profissional, psicólogo, psiquiatra, se aproveita do lugar de poder que ocupa na relação com o paciente para impor a sua verdade.
O paciente quando chega no consultório está muitas vezes bem fragilizado e coloca o profissional que está diante dele em um lugar de que Freud denominou de “suposto saber”. Suposto porque o profissional não sabe tudo (e deveria reconhecer isso), mas é esperado dele que se saiba. A partir disso, vai se estabelecendo ao longo da terapia uma relação entre paciente e analista que vai ser permeada por diversos sentimentos evocados nas sessões. Os psicanalistas estudam muito isso, denominando de transferência e contratransferência os afetos surgidos em análise entre paciente e terapeuta (resumidamente falando).
Digo tudo isso para enfatizar que o lugar ocupado pelo terapeuta na sua relação com o paciente não pode ser negligenciado. Há pacientes que se colocam como “um escravo a procura de um mestre a quem servir” (Kehl, 2017, em Por que Freud Hoje? ). Outros em que a relação com o terapeuta é mais “simbiótica”, na qual a palavra do terapeuta ecoa na do paciente como se tivesse se originado ali. São justamente esses pacientes que exigem uma postura cautelosamente ética por parte do terapeuta para que o tratamento não siga pelo caminho ditado pelo desejo do próprio terapeuta.
E é nesse sentido que a proposição de uma “Cura Gay” é essencialmente uma negligência e uma falha ética no que justamente torna a psicologia e a psiquiatria tão importantes: a capacidade de entrar em contato com a alteridade e providenciar um espaço de fala diferenciado, neutro e sem julgamentos.
Mesmo que esses profissionais que defendem a “Cura Gay” afirmem que estão simplesmente buscando proporcionar atendimento a esses sujeitos, ao propor um resultado ideal, eles não estão reconhecendo a realidade de seu paciente e o lugar que ocupam para ele. Vale ressaltar que a A Resolução CFP nº 01/99 não veda ao psicólogo o atendimento de pacientes homossexuais, mas de considerar e propor a reversão da orientação sexual como uma forma de promover a saúde mental de seus pacientes.
Imaginemos uma situação hipotética na qual o paciente chegue no meu consultório e me diga “por favor doutor, me cure, não aguento mais ser gay” (ok, eu sei que na maioria das vezes o que encontramos é: “não aceito meu filho ser gay, mude ele”, mas vem comigo no meu exemplo).
Nessa situação, de antemão já vemos o lugar que o paciente hipotético está me colocando. “Se responsabilize por mim, me mostre o que devo fazer”. Caro leitor, lembrou do escravo a procura de um mestre? Por isso o lugar ético e técnico nesses casos é de entender e reconhecer o sofrimento desse sujeito sem traçar uma meta objetiva para o resultado do tratamento.
É possível que o paciente esteja dizendo que na verdade está cansado de lutar contra a sociedade, sua família ou seus amigos. Talvez cansado de lidar com tanto preconceito ou seu medo de sofrer alguma violência.
Convenhamos, vivemos em uma sociedade na qual é mais aceitável que o sujeito viva sem vontade de viver do que seja gay. Que desenvolva depressão, transtornos relacionados a ansiedade, insônia e transtornos somáticos, do que seja gay.
Ser gay é uma luta diária. Luta para ser aceito(a) por simplesmente tentar ser feliz. Agradeço a psicologia por ter me permitido ver isso e me livrar da “homofobia nossa de cada dia”.
Obrigado.
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