Você atende convênio?

perguntaDesde o momento que eu decidi não atender mais convênio, essa pergunta sempre me perseguiu. O motivo é simples: Se o paciente paga o convênio (e caro), por que não usar? Se ele vai em médicos e fisioterapeutas por convenio, porque não psicólogos? Meu texto de hoje visa esclarecer um pouco algumas dúvidas sobre a relação de psicólogos com convênios com base na minha própria experiência.

Bom, convênio paga mal os profissionais de saúde. Isso todo mundo sabe. Não é novidade para ninguém. Mas a especificidade da prática clínica do psicólogo o coloca, na minha opinião, como o grande refém dos convênios. Como compensação para os baixos valores pagos pelos convênios, é possível um fisioterapeuta atender mais de uma pessoa de uma só vez. Clinicas de ortodontia podem contratar estagiários para realizar o atendimento mais recorrente com os pacientes, supervisionados por um profissional mais graduado. Médicos, por sua vez, utilizam o recurso de marcar suas consultas em intervalos curtos entre um paciente e outro. Por isso é comum esperar mais de uma hora para ser atendido em um consultório médico. Essa estratégia se mostra válida também pelas diversas faltas às consultas previamente agendadas (no qual o profissional reserva seu tempo e não recebe nada por isso). Essas são formas interessantes de contornar o baixo valor pago pelos convênios. Respeito elas porque se a conta não fecha, alguém tem que pagar a conta. Que não seja com um péssimo atendimento.

Infelizmente há profissionais que se rendem a diminuir a qualidade do atendimento, como em atendimentos de 10 minutos. No caso do psicólogo, não tem muito para onde correr. Em uma das clínicas que eu atendia, os horários eram reduzidos a 40 minutos no máximo por sessão. Já não é o ideal e atender por menos tempo que isso (salvo na clínica lacaniana) inviabiliza a realização de um bom atendimento.

Psicólogo atende com horário específico

Um outro ponto é o horário. No caso do psicólogo, o horário faz parte da sessão. Ele tem uma função importante no processo terapêutico. Resumidamente, ele demarca que aquele horário está reservado para o paciente e que ele pode contar com isso. Faz parte do enquadre que tem função de Holding, conforme descrito por Winnicott. Também demarca o início e o termino da sessão, visto que a terapia é um processo longitudinal e objetiva que o paciente consiga caminhar com as próprias pernas. A mensagem é a seguinte: Aquele horário é seu, pode contar com isso, mas seria horrível para a sua terapia se o seu psicólogo estivesse disponível o tempo todo. Desse modo, a delimitação do horário individual é importante. Não é por falta de secretário (a) que nos atendimentos psicológicos não se liga para o paciente antes da sessão, como em atendimentos médicos. É porque faz parte do processo terapêutico que ele se lembre da sessão e cada falta ou esquecimento da sessão é analisada porque possui um sentido. O “X da questão” pode ser o sentido da falta do paciente e não o que ele fala na sua presença.

A demarcação do tempo também é importante para o psicólogo. Para analisar o sentido da falta de seu paciente, por exemplo, é importante que o psicólogo não coloque outro paciente no lugar daquele que acabou de faltar sem avisar. Portanto, o processo terapêutico acontece também fora do momento em que o paciente está fisicamente na presença do terapeuta, tanto do lado do paciente, quanto do lado do terapeuta.

Psicólogo não recebe por procedimento

Se um dentista tiver que remover uma cárie, se o médico tiver que realizar um procedimento cirúrgico ou se o fisioterapeuta for tratar um trauma físico, eles receberão um valor além do valor pago pela sessão por cada procedimento adotado. Já o psicólogo receberá por sessão. Mesmo atendendo pacientes neuróticos, depressivos ou psicóticos de formas adequadas a realidade de cada um dos pacientes, o psicólogo receberá o mesmo valor. Ele não recebe por procedimento. Poderiam ser incluídos aqui a avaliação psicológica com aplicação dos testes psicológicos, mas o valor que os convênios pagam por elas é irrisório se considerarmos o tempo necessário para se realizar uma análise bem-feita.

Portanto, o psicólogo recebe somente um valor por sessão, que não pode ser muito curta e que precisa de um horário constante, tornando inviável a prática de colocar diversos pacientes em horários atropelados ou diminuir o tempo da sessão. Uma alternativa para os psicólogos seriam os grupos. Porém, apesar dos grupos terem uma função terapêutica muito interessante, eles não substituem o atendimento individual e não são indicados para diversos pacientes.

Relatos da minha experiência pessoal

Nos dois anos que atendi por convênio, me deparei com algumas situações que me levaram a abandonar os convênios. A primeira é a prática comum dos convênios de dificultarem o atendimento psicológico. Não era incomum, sem razão alguma, o paciente chegar à clínica para ser atendido e o convênio não autorizar a sessão. E aí? O que faz o psicólogo? Manda para casa? Bota na conta do convênio um suicídio ou uma crise psicótica?

Ok, refletindo agora sobre a situação, deveria já estar acordado com o paciente que caso o convênio não pague pela sessão, ele arcaria com os custos. Mas na prática não funciona de forma tão linear. Como os convênios pagavam depois de 3 meses a sessão, acabava que eu me perdia com o controle financeiro das sessões. Quando precisava olhar o valor recebido e as sessões realizadas, demorava para perceber onde estava o erro.

Outra dificuldade é a limitação que os convênios impõem à realização das sessões. Tem pacientes que precisam ser atendidos duas vezes por semana, outros uma vez. Mas o convênio só autorizava uma vez por semana e somente 12 sessões. Após esse prazo, era necessário ao psicólogo elaborar um laudo explicando a necessidade de mais sessões. Nesse ponto, me incomodava a aleatoriedade no qual as sessões eram liberadas ou não. Certamente não tinham relação com o laudo que havia realizado do paciente, visto que haviam pacientes em estados graves no qual eram negadas novas sessões e autorizadas em outros em estados menos graves.

Me incomodava. Realizar uma psicoterapia é um trabalho difícil. Ela é cheia de obstáculos. Um deles é a resistência dos próprios pacientes, visto que fazer terapia é tocar na ferida. Algo que não se chega pronto para fazer quando se procura a psicoterapia. O mais comum é “eu quero me livrar dos meus sintomas, mas não estou disposto (a) a mudar”. Bom, lamento informar que uma coisa está relacionada a outra. Felizmente temos muitos recursos para lidar com isso. Mas quando os convênios dificultam a terapia, eles fortalecem uma resistência que já estava lá. Pior ainda, um desses recursos que mencionei é o próprio dinheiro. Por exemplo, na clínica escola, onde se realizam atendimentos sociais, é cobrado um valor por sessão de acordo com a renda da pessoa atendida. Seja ele 40 reais, 20 reais, ou 1 real. E esse 1 real pago por sessão é importantíssimo para o andamento da mesma. Existe um valor simbólico no dinheiro que na sessão por convênio é eliminado. Resta somente à relação entre o paciente e o terapeuta a sustentação das sessões.

Nesse sentido, um dado que chamou a minha atenção foi a de que meus pacientes particulares faltavam menos às sessões que os que eram atendidos por convênio, mesmo os que eram atendidos na clínica social por um baixo valor. Sobre esse tema, recomendo a leitura desse outro texto que escrevi (https://porquesera.com.br/o-bom-e-inimigo-do-melhor/).

Voltando à questão do dinheiro, é claro que do outro lado também tem uma função importante. Lembro o dia que atendi, por convênio, e depois fui fazer duas chaves em um chaveiro. Ele me cobrou 40 reais e realizou o serviço em menos de 10 minutos. Pensei sobre os cinco anos de graduação, mais dois de mestrado (e agora mais quatro de doutorado), e me senti extremamente mal reconhecido. Ganhando em média 25 a 30 reais a sessão por convênio (o convênio paga o dobro disso, mas a clínica fica com 50% – valor justo para pagar o aluguel da sala e a secretaria) – além de não receber nada pelo tempo gasto fazendo relatórios, evolução do caso e laudos. Por mais que não se queira deixar acontecer, isso acaba afetando o atendimento. Acaba-se enchendo a agenda e se sobrecarregando para se chegar a algum valor mensal mais próximo do justo à um profissional qualificado.

Por que os psicólogos aceitam atender convênio?

Esse atendimento é muito bom para os terapeutas ganharem experiência e para os que ainda não conseguiram consolidar uma clientela. Atender um numero de pacientes por convênio ajuda a se colocar no mercado e dar visibilidade para o seu trabalho. Claro que nenhum profissional gostaria de atender por um valor que considera injusto, mas a demanda por atendimento por convênio é gigante, já que vivemos em tempos de crise e terapia é cara. Contudo, a terapia é um investimento na sua saúde, assim como uma faculdade é um investimento na sua formação profissional. Novamente lembro o meu texto “O bom é inimigo do melhor” (https://porquesera.com.br/o-bom-e-inimigo-do-melhor/) para dizer que em muitas situações, uma terapia mais ou menos não é melhor que nada. Por esses motivos, hoje quando me perguntam se eu teria uma indicação de alguém que atende por convênio, eu respondo que não indico terapia por convênio. Se você não pode pagar, procure um atendimento social, nas clínicas escolas das universidades, dos centros de formação ou na sociedade de psicanálise. Caso possa pagar, mas não muito, vá em um psicólogo particular. Geralmente a primeira consulta não é cobrada e o valor das sessões é acordado entre o que o profissional acha justo do preço de sua sessão e o valor possível a ser pago pelo paciente. Por fim, caso esteja procurando o melhor atendimento, descarte o atendimento por convênio.

Atendimento psicoterápico por convenio deveria ser sua última opção, não a primeira.

Gregório De Sordi

Psicólogo, CRP 01/16979, mestre e doutor em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília. Foi professor e coordenador do curso de psicologia da UNICEPLAC. É editor associado da revista "Psicologia: Teoria e Pesquisa" (Qualis A1). Tem experiência profissional na área de saúde mental, psicanálise, psicologia clínica e avaliação psicológica. Atende, com enfoque psicanalítico, adolescentes e adultos em consultório particular localizado em Brasília-DF e atendimentos virtuais. Telefone: (61) 999425123

8 Comentários

  1. É correto o terapeuta receber pelas sessões onde o paciente não compareceu?

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  2. Olá Gregório, boa noite!
    Li o artigo e gostaria de sabe se: o cliente deve pagar pela sessão que faltou? Como se fosse um valor mensal independente de comparecer às sessões ou não?

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  3. Gregório, boa tarde!
    Achei sua matéria muito esclarecer, principalmente porque eu tinha acabado de sair de uma consulta de terapia pelo convênio e confesso q sai de lá confusa com o atendimento. Pois de plano já foi informado pelo profissional que a consulta seria de 30 minutos e a terapia nao poderia se estender por mais de 2 meses. Como??? Ora! consigo entender que o convênio paga pouco, mas sendo muito sincera nao consigo entender que o um profissional seja conivente com isso, pois como vc mesmo explanou com 40 minutos é pouco, imagina com 30 e nao se podendo exceder o prazo de 2 meses. confesso q sai de lá frustrada, e ainda peguei um profissional (que nao vem ao caso agora) mas Eu Rose, optaria por não atender pelo convênio se entendesse que esse comprometeria a qualidade do serviço prestado. Mas infelizmente muitos nao pensam assim e continuam prestando um serviço ruim, mas mesmo que mínimo valor recebido entendem correto. Seu posicionamento foi perfeito em nao atender mais pelo convênio!!!
    Eu como mencionada acima, sai frustrada e resolvi fazer terapia no particular. Uma pena não é mesmo?
    Abs,

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    • Oi Rose. Essa questão realmente é complicada, justamente porque os convênios fazem dos psicólogos seus reféns. Para quem está precisando se divulgar ou precisa do dinheiro, é difícil abandonar os convênios. Por esse motivo, me solidarizo com esses profissionais, mas nunca com suas falhas éticas e técnicas.

      É uma pena mesmo ver casos de precarização e desvalorização de um serviço tão essencial.

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